25 março 2012

A humilhação que virou brincadeira

Eu fechei os olhos, respirei fundo e virei o primeiro copo. Dia vinte e sete de janeiro saiu o resultado tão esperado. Eu era oficialmente estudante da UnB. Estava no sul do Brasil visitando minha família quando vi meu nome no site dos aprovados na primeira chamada do PAS. A minha felicidade era indescritível.
Acredite ou não, mas eu estava fazendo a unha da minha prima, então a minha comemoração não passou de um grito e uma lágrima escorrida. No dia seguinte encontrei com meus amigos que também haviam passado, e comemoramos com um ovo, tinta e sinal vermelho para pedir dinheiro.
Sempre tive medo dos trotes que poderia receber. Via os veteranos embebedando os seus calouros e eu nunca gostei de beber. Na verdade, eu sempre detestei. No primeiro dia de aula, sai de casa um tanto apreensiva, levava na minha bolsa uma blusa velha no caso de receber trotes. Com o passar da semana fui ficando mais tranquila e acabei nem levando a mais a blusa.
Ainda assim, fazia questão de sair da sala o mais rápido possível, e ficava sempre muito tensa quando alguém pedia para dar um recado durante a aula. Ouvia histórias de amigas que faziam outro curso e que haviam recebido trote, todas contavam como era divertido se você levasse na brincadeira. Para mim, era humilhação.
Os veteranos faziam perguntas intimas e se você não respondesse você era vaiado. Para quem tem medo de palco, fuja dos trotes. Eles fizeram elas subirem na mesa, dançar e responder as tão indiscretas perguntas. Além de adotar apelidos ofensivos e de mau gosto. Meu medo voltou. Já estava decidida, se nos chamassem para o trote, eu fugiria. É um plano infalível, se você desconsiderar a possibilidade de receber outro trote ainda pior.
Em um determinado domingo, saiu no jornal uma noticia sobre os trotes que eram feitos na Universidade de Brasília. Ela dizia que eles deveriam ser banidos pela falta de respeito e humilhação com que eram executados. Havia uma foto acompanhando a reportagem em que era mostrado meninos ajoelhados sem camisa e sendo, na teoria, obrigados a beber. Dizia também que um dos jovem portava uma arma de choque.
Li a reportagem e fiquei horrorizada. Não sabia se era fruto de uma mídia sensacionalista, ou se era verdade. Considerei os relatos das minhas amigas e concluí que poderia ser verdade. Na segunda-feira recebi meu trote. Enquanto me pintavam, uma das veteranas conversava comigo e perguntava se estava gostando do curso. Depois de pintados, nos ensinaram a musica do curso e cantamos pelo campus. Nos fizeram dançar e nos apresentar, quem não queria, simplesmente assistia. Na hora de beber, eles perguntaram quem estava disposto e quem tinha dezoito anos.
A fila se formou e o copo foi passando. Não dava para ver o conteúdo do copo, nem sei se queria saber. Eu fechei os olhos, respirei fundo e virei o primeiro copo. Era leite.

13 março 2012

Do tubarão chupando manga ao Titanic

Depois do almoço sempre escutei minha avó gritar comigo e com meus primos que se entrássemos na água, a boca ficava torta. Nunca entendi muito bem o porque, e quando perguntávamos, a resposta era quase sempre: “ Eu não arriscaria se fosse você!”. Talvez isso não tenha passado de um mito, mas nunca fui corajosa o suficiente para entrar na piscina logo depois do almoço para comprovar a teoria.
Uma hora era o tempo que precisávamos esperar para poder continuar a brincar. Vida de criança, na cabeça delas, é sempre injusta: tem que parar de brincar, não pode brincar ainda, tem que tomar banho, está na hora de dormir. O que eu sei, é que ficávamos na beira da piscina chupando manga do pé, esperando passar o tempo. Lembro-me que uma vez arrisquei voltar a nadar cinqüenta e cinco minutos depois. Faltavam apenas cinco minutos, pensei, mas eu rezei pela minha boca. Nada aconteceu.
Depois de comer manga, que por sinal, nunca levei muito em conta o tempo após comê-la, entrávamos nas águas do Mar Bravo. Os monstros que nos atacavam congelavam no tempo e esperavam ansiosos pela nossa volta. Éramos sete primos, e cada um inventava a história que quisesse. Um era o tubarão, que todos tentavam desesperadamente fugir dele, a outra era a sereia, que lutava contra o tubarão para proteger os passageiros do Titanic que já estava embaixo d’água.
Usávamos o limpador da piscina para tentar escalar sem cair. Era impossível. Na nossa imaginação, era na ponta dele que se encontrava a chave de um cofre individual do Titanic. Respirar fundo, segurar o ar, escalar até a ponta e pegar a chave imaginária que abriria o cofre, o último e mais fundo azulejo da piscina.
Quando conseguíamos pegar o que havia no cofre, uma pedra, enfrentávamos ninjas com poderes mágicos que jogavam água e tentavam roubar a pedra de nós. Era uma verdadeira briga. Um jogo cheio de regras e ao mesmo tempo sem nenhuma. Enquanto uns “plantavam bananeira”, outros competiam para ver quem conseguia ficar mais tempo sem respirar. Os que saíam vitoriosos iam para o salão de beleza, para concorrer ao Mis Penteado 1998. Eram cabelos enrolados até o topo da cabeça que tentávamos equilibrar para uma simples foto. A criatividade rolava solta. E a aventura só acabava quando os dedos enrugavam, a boca ficava vermelha, e o frio incomodava.
Terminávamos o dia assistindo ao sol se pôr em cima da árvore. Cada um tinha um lugar marcado com um pedaço de tapete emborrachado que havíamos aparafusado, e foi assim todos os finais de semana e dias de férias da minha infância.