27 maio 2012

Tari II

Hoje eu comemoraria o meu aniversário, mas eu estou morto. Meu mundo é conhecido como Tari, aqui, os seres que o habitam se comunicam por meio de pés flexionados, braços estendidos, joelhos dobrados, e mão esticadas. Cada pequeno movimento tem um significado diferente: o passar da cabeça por entre os braços, o estender de uma perna, o dobrar dos braços, o alternar da meia-ponta… Além dos movimentos corpóreos, as expressões faciais  também compoem o nosso vocabulário. É por isso que, pouco se fala e muito se demonstra. Conversamos por meio da dança, ou melhor,  conversávamos.

Há seis anos atrás, um grande mandão de outra galáxia tomou o nosso mundo. Hoje somos proibidos de dançar. Não temos quase nenhum poder de expressão, aqui se tornou uma verdadeira criação de robôs. Os gigantes da outra galáxia nos deram pulserias que emitem sons. Elas são conectadas a um ship que foi instalado em nossas cabeças, e o que pensamos, elas reproduzem. É quase como se não pudéssemos pensar. Nada mais nos pertence, nem os nossos próprios pensamentos, dá pra imaginar isso?

Tari ficou muito conhecida nas outras galáxias por abrigar o mais bonito dos povos. Quando chegava a noite e a lua iluminava todo o nosso pequeno mundo, o universo parava, em silêncio, para nos ver dançar. Foi isso o que atraiu os grandes mandões. Hoje são completados 6 anos desde que eu parei de dançar e 152 anos desde que nasci, mas me considero morto. Meu pai era o ancião e tudo sempre ocorreu muito bem. Nunca tivemos guerras, nem disputa, nem nenhum tipo de violência. Não fomos preparados para lutar, nem mesmo pelo nosso próprio planeta.

Pouco antes de ser liberado para o trabalho, eu deixei escapar em meus pensamentos que queria mudar a nossa realidade. Fui castigado. Mas parece que os outros tarianos me ouviram. Depois de mim, cerca de 50 outros cidadãos foram agredidos em público para “aprenderem a lição”. Descobri que não estava sozinho, não era o único que queria voltar a viver, voltar a dançar. Vi meu pai rapidamente na hora da refeição antes-tarde e soube, pela sua expressão, que aquele era o dia da mudança. Controlei meus pensamentos mais do que sabia ser possível.

Era o início da noite, a lua já estava subindo e começava a brilhar. Nos reuníamos na praça central onde todos os dias nos era lembrado o motivo (inexistente) da colonização. Eu olhei para o lado no meio da multidão, e vi muitos rostos virados para mim. Segundos depois ouvi um som. Soava tão familiar… era do meu pai. Ele estava cantando! Na verdade, seu pensamento estava. Antes que pudessem abatê-lo, me juntei a ele. O som era tão artificial, mas ao mesmo tempo tão libertador que durou pouco, até que todos estivessem cantando. O universo fez silêncio mais uma vez, mas dessa vez para nos ouvir cantar. O som era ensurdecedor para aqueles gigantes da outra galaxia, mas ainda assim, os fez dançar. Hoje completou vite e quarto horas, desde que voltei a viver.

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